Quando a Fé Vira Guerra Cultural: Como a Religião Foi Usada para Propagar o Medo do Progresso

Você já percebeu como alguns discursos dentro das igrejas parecem falar mais de “guerra” do que de amor, acolhimento ou transformação?

Não é impressão sua.

Nos últimos anos, setores religiosos — especialmente os mais conservadores — adotaram uma postura de combate contra os avanços sociais, transformando o progresso moral e os direitos humanos em “ameaças espirituais”.
Mas como isso aconteceu? E o que a fé tem a ver com essa cruzada ideológica?

Vamos entender juntos?


As igrejas e a “batalha espiritual” contra o progresso

A partir dos anos 1980 e 1990, principalmente com o fortalecimento das ideias de “marxismo cultural” e “ideologia de gênero”, muitos líderes religiosos passaram a enquadrar as mudanças sociais como batalhas espirituais.

Ou seja, a luta pelos direitos das mulheres, a defesa da população LGBTQIAP+, o reconhecimento das religiões de matriz africana — tudo passou a ser visto como se fosse uma guerra contra Deus.

Essa estratégia teve (e ainda tem) um efeito poderoso:

  • Cria um clima de urgência e medo.
  • Blinda a comunidade contra o diálogo.
  • Dá aos líderes religiosos o papel de “soldados da fé”, prontos para defender a “verdade” a qualquer custo.

O resultado?
Uma espiritualidade baseada mais em guerra cultural do que em compaixão, justiça e misericórdia.


A aliança global dos conservadores religiosos

Esse movimento não acontece isoladamente.
Há uma grande articulação internacional entre setores religiosos conservadores, especialmente:

  • Sionistas cristãos (um segmento do cristianismo evangélico que apoia incondicionalmente o Estado de Israel);
  • Evangélicos dos Estados Unidos;
  • E líderes evangélicos brasileiros.

Esses grupos compartilham a visão de que o mundo vive uma crise moral causada pelo afastamento dos “valores judaico-cristãos”, e que seria necessário travar uma verdadeira batalha espiritual e política para restaurar a “ordem divina”.

Essa aliança não é só teológica.
Ela é também política, econômica e geopolítica.
Em nome da fé, formam-se redes de apoio, financiamento, influência eleitoral e construção de poder.


A incorporação de elementos judaicos no culto evangélico

Uma das marcas mais visíveis dessa aliança é a apropriação de símbolos e rituais judaicos pelos cultos evangélicos.

Você já viu igrejas evangélicas:

  • Tocando shofar?
  • Realizando festas de Primícias ou Festa dos Tabernáculos?
  • Erguendo a bandeira de Israel ao lado da bandeira do Brasil?
  • Usando roupas ou elementos que lembram a tradição judaica?

Isso não é apenas uma admiração religiosa.
É parte de uma estratégia de identificação política e espiritual:

  • Apoiar Israel é visto como cumprimento de profecias bíblicas.
  • Defender Israel se torna sinônimo de “defender Deus” contra o que chamam de “ameaça global” do progressismo, do islã e da esquerda.

Essa aproximação reforça a ideia de uma guerra santa contra o “mal”, onde “o mal” é tudo aquilo que questiona a estrutura tradicional de família, gênero, fé e poder.


O problema dessa narrativa

Transformar o debate social em “batalha espiritual” desumaniza quem pensa diferente.
Quem defende direitos civis, inclusão e justiça é visto como inimigo de Deus — e não como alguém com quem se deve dialogar.

Além disso, essa postura:

  • Alimenta discursos de ódio em nome da fé;
  • Polariza ainda mais sociedades já fragmentadas;
  • Afasta a igreja da sua vocação original de ser espaço de cura, acolhimento e transformação.

Quando a fé é sequestrada pela guerra cultural, ela deixa de ser Boa Nova e vira instrumento de controle.


Fé que liberta ou fé que aprisiona?

Diante de tudo isso, a pergunta que fica é simples, mas profunda:

Estamos vivendo uma fé que constrói pontes ou uma fé que ergue muros?

É urgente refletir sobre os discursos que ouvimos e reproduzimos dentro das nossas comunidades.
A verdadeira espiritualidade não deveria ser construída sobre o medo do outro, mas sobre o amor que tudo transforma.

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