Quando pensamos em teologia, ainda é comum imaginar salas cheias de homens, Bíblias abertas e um discurso todo revestido de autoridade… masculina.
Mas e se eu te disser que mulheres teólogas vêm há décadas sacudindo os pilares do pensamento religioso, questionando estruturas patriarcais e reimaginando Deus a partir das margens?
Hoje vamos fazer uma verdadeira viagem histórica por essa revolução espiritual chamada teologia feminista — um movimento plural, corajoso e profundamente transformador.
Onde tudo começou?
A teologia feminista surge com força na segunda metade do século XX, mas seu espírito já circulava antes, em mulheres cristãs que lutavam pelo direito ao voto, ao divórcio, à alfabetização e à dignidade dentro e fora da igreja.
Foi nesse contexto que algumas teólogas decidiram não apenas viver sua fé, mas também revisitar os próprios fundamentos dela: os textos bíblicos, as imagens de Deus, a autoridade dos púlpitos, o silêncio imposto às mulheres.
Quem são essas mulheres?
🕊️ Mary Daly (EUA – Católica)
Mary Daly é considerada uma pioneira da teologia feminista.
Na década de 1960, ela causou um terremoto teológico ao escrever o livro “A Igreja e o Segundo Sexo”, onde denunciava o patriarcado eclesial da Igreja Católica.
Ela ousou dizer que Deus não precisa ser homem, e que a religião institucionalizada havia sido construída por e para homens.
Seu trabalho abriu caminho para centenas de outras mulheres ao redor do mundo.
🧠 Rosemary Radford Ruether (EUA – Católica)
Rosemary continuou o caminho aberto por Daly, com uma crítica afiada à visão exclusivamente masculina de Deus.
Em seus escritos, ela propôs uma reimaginação de Deus que abrisse espaço para a experiência feminina e para uma teologia mais voltada à justiça, à Terra e à equidade.
Ela foi uma das primeiras a integrar teologia, ecologia e feminismo em um mesmo discurso.
📚 Elizabeth Schüssler Fiorenza (Romênia – Católica)
Fiorenza é uma das autoras mais influentes da teologia feminista até hoje.
No seu livro “In Memory of Her” (Em Memória Dela), ela propõe o conceito de quiriarcado — uma estrutura de poder que não é só patriarcal, mas também atravessada por classe, raça, religião e outros sistemas de dominação.
Ela nos convida a ler a Bíblia com lentes críticas, buscando as mulheres invisibilizadas nos textos e reconstruindo suas histórias a partir de uma hermenêutica feminista.
✊🏾 Jacqueline Grant (EUA – Metodista)
Grant foi essencial para mostrar que a teologia feminista branca não dava conta das experiências das mulheres negras.
Ela critica a invisibilidade da mulher negra no feminismo e na teologia e propõe uma abordagem própria: a teologia mulherista.
Com base na experiência das mulheres negras cristãs dos Estados Unidos, ela reconstrói a fé a partir da resistência, da dor e da espiritualidade afrodescendente.
Seu livro “White Women’s Christ and Black Women’s Jesus” é uma resposta ousada às lacunas do discurso feminista cristão.
🌏 Chung Hyun Kyung (Coreia do Sul) e Mercy Amba Oduyoye (Gana)
A teologia feminista não é exclusividade do Ocidente.
Mulheres de diferentes culturas também estão reimaginando Deus a partir das suas realidades:
- Chung Hyun Kyung, teóloga coreana, une espiritualidade cristã, tradição asiática e justiça social.
Ela denuncia as opressões de gênero dentro do contexto asiático, em diálogo com o colonialismo e a pobreza. - Mercy Amba Oduyoye, ganesa, traz uma teologia africana e comunitária, resgatando os valores ancestrais, a maternidade, a espiritualidade das mulheres africanas e o papel da oralidade.
Elas mostram que fé e cultura não são separáveis, e que o Evangelho precisa dialogar com os corpos e contextos de quem vive a fé no chão do mundo.
Mas nem tudo são flores: o movimento também se critica
A teologia feminista não é homogênea, e isso é uma de suas maiores forças.
Mulheres negras, indígenas, asiáticas e africanas têm feito críticas importantes ao que chamam de “feminismo branco ocidental” — aquele que, mesmo sem querer, às vezes ignora ou apaga outras realidades.
É aí que surgem propostas como:
- Teologia mulherista (negra e afro-americana);
- Feminismo decolonial;
- Teologia feminista interseccional, que considera raça, classe, sexualidade e território.
Esse diálogo interno enriquece o movimento e impede que ele se torne mais uma forma de exclusão disfarçada de libertação.
Por que tudo isso importa?
Porque a teologia feminista nos lembra que Deus não cabe numa só voz, numa só imagem, num só púlpito.
Ela é um convite à liberdade, à escuta das vozes silenciadas e à construção de uma fé mais humana, plural e justa.
Se Jesus disse que veio para que todos tivessem vida em abundância, então não faz sentido manter a metade da humanidade em silêncio dentro da própria casa de Deus.