Se você já ouviu em cultos, palestras ou nas redes sociais que “o problema do mundo” é o tal do marxismo cultural, saiba:
não é coincidência.
Essas palavras não brotaram espontaneamente do púlpito — elas têm uma história política muito bem planejada e, spoiler: começa num dos momentos mais sombrios da história mundial.
Vem comigo entender como essa narrativa foi criada, disseminada e chegou até as igrejas brasileiras.
De onde veio a ideia de “marxismo cultural”?
Para entender, precisamos voltar ao início do século XX, durante a ascensão dos regimes nazista e fascista na Europa.
Naquela época, líderes do nazi-fascismo queriam deslegitimar os intelectuais marxistas — principalmente judeus, professores e pensadores de esquerda — que criticavam as injustiças sociais e questionavam o poder.
Eles criaram, então, a expressão “bolchevismo cultural”:
Uma forma de acusar os marxistas de estarem infiltrando ideias “corruptoras” na cultura para destruir a tradição.
Em vez de enfrentar as ideias no debate, os fascistas preferiram rotular toda produção intelectual crítica como uma ameaça “externa” à moral e à ordem.
Esse era o jeito perfeito de causar medo e justificar perseguições violentas.
A repaginação do velho discurso: nasce o “marxismo cultural”
Décadas depois, esse conceito foi reembalado nos Estados Unidos com um novo nome: “marxismo cultural”.
E quem puxou essa nova onda?
William Lind, uma figura de extrema direita cristã norte-americana.
Nos anos 1990, William Lind e outros intelectuais conservadores começaram a dizer que o marxismo tinha mudado de tática:
- Em vez de fazer revoluções armadas, agora os “marxistas” estariam infiltrando ideias na cultura popular — na TV, nas universidades, nas artes, nas igrejas — para minar os valores da “família tradicional”.
Essa teoria virou uma espécie de grande história de terror político-religiosa, onde qualquer avanço social — direitos civis, feminismo, direitos LGBTQIAP+, reconhecimento de religiões de matriz africana — era descrito como parte de um plano maligno de “destruição cultural”.
Parece familiar? Pois é.
Essa narrativa é hoje o alicerce de muitos discursos religiosos e políticos que acusam qualquer movimento progressista de “ser coisa do marxismo cultural”.
Como essa ideia chegou no Brasil?
No Brasil, quem abraçou e espalhou essas ideias foi Olavo de Carvalho.
Filósofo autoproclamado, Olavo bebeu diretamente dessas fontes da extrema direita norte-americana e adaptou o discurso para a realidade brasileira:
- Aqui, ele ligou “marxismo cultural” à ideia de que a esquerda queria destruir a família, a igreja e o patriotismo.
- Ele popularizou expressões como “doutrinação ideológica nas escolas”, “ameaça à moral cristã”, “ideologia de gênero” — sempre com a mesma estrutura de pânico moral.
Com sua influência sobre políticos, pastores e formadores de opinião, essa narrativa explodiu no Brasil, especialmente entre lideranças religiosas e em movimentos conservadores.
Mas por que esse discurso é tão eficaz?
Porque ele fala diretamente ao medo.
Ao pintar o mundo como um campo de batalha entre “os defensores da moral” e “os infiltrados do mal”, essas narrativas:
- Simplificam a realidade complexa em vilões e heróis.
- Impedem o diálogo e a escuta de novas ideias.
- Criam um clima de urgência e pânico que mobiliza emocionalmente as pessoas.
No fundo, o discurso do “marxismo cultural” é uma estratégia de poder:
fortalece a agenda conservadora, reforça estruturas patriarcais e impede que movimentos de inclusão social e diversidade ganhem espaço.
O que tudo isso tem a ver com a fé?
Quando um conceito político é incorporado ao discurso religioso como se fosse “defesa da fé”, a espiritualidade se torna uma arma de guerra cultural — e não um espaço de acolhimento, transformação e amor.
Reconhecer que expressões como “marxismo cultural” foram inventadas para manipular a percepção das mudanças sociais é um passo fundamental para quem quer viver uma fé mais consciente, crítica e, acima de tudo, fiel ao espírito de justiça do Evangelho.
Não tenha medo de questionar o que te ensinaram como se fosse óbvio.
Nem toda batalha que dizem ser espiritual… é.